A importância de cuidar dos cemitérios.
06-02-2015 16:49
Estar enlutado, nos dias de hoje, devido a impossibilidade de exposiçao da dor por parte das pessoas que sofrem um perda, configura-se em uma circunstância de isolamento e angústia social.
Em nossa sociedade, no processo civilizador em que vivemos o que impera é a economia de gestos e emoções, onde a discrição é um elemento comportamental preponderante.
Abraços podem envergonhar ou, assediar, o que é bem pior, choro com uma certa frequência pode ser analisado como sinal de desequilibrio, dizer que ama pode ser recebido como carência, sorrir um pouco mais, inadequação... e assim vamos vivendo, ou achamos que estamos vivendo.
Esta economia na manifestação de sentimentos retira a possibilidade de educação para a vida, privando de viver melhor, com mais qualidade. Diante das infinitas possibilidades do viver, encontramos dificuldades para a formação e manutenção de nossos vinculos de afeto, de amizade, penso que diante da morte, momento para o qual não é oferecido nenhum espaço de educação, a dificuldade se torna ainda maior, mais do que isso é algo que não conhecemos, pois de forma equivocada costumamos acreditar que se não falamos na morte ela não nos alcança. Na verdade, temos medo deste diálogo pois ao falarmos sobe a nossa finitude somos questionados a respeito de nossas escolhas diante da vida.
Há bem pouco tempo átras, há menos de uma década as famílias enlutadas tinham a companhia dos amigos e até mesmo dos familiares mais distante nos primeiros trinta dias de falecimento. Havia manifestação de cuidado por parte das pessoas em estar com a família enlutada neste período. Hoje, o que se vive é assustador, as famílias são acompanhadas, em sua dor, pelas pessoas que fazem parte de seu convívio social, até a Missa ou o Culto por ocasião do sétimo dia de falecimento. Após este rito, o telefone dificilmente vai tocar, as visitas desaparecem e a sociedade encerra o processo de dor, colocando um ponto final no luto alheio. Ou seja, as famílias enlutadas estão, através do olhar alheio, "liberadas" do sofrimento.
No entanto, a realidade de quem sofre é bem diferente. A dor continua gritando, mas grita para dentro de cada um deles. Há uma rejeição seguida de negação pela dor do outro, como se a dor da perda fosse contagiosa. Há, cada vez menos tempo para ouvir, para ser solidário com aqueles que sofrem. Por outro lado, as pessoas enlutadas percebem o constrangimento daquele que ainda se dispões a ouvi-las. Este constrangimento é acompanhado de receios diversos: não saber o que fazer com o choro do outro, como se comportar e, o mais frequente não saber o quê dizer. Em nossa cultura há muita ansiedade pela palavra. Esta ansiedade produz confusão tão grande que a maioria das pessoas tem aversão ao silêncio não o considerando como uma possibilidade terapêutica. Estar com o outro, em silêncio pode ajudá-lo muito mais do que atordoá-lo com frases feitas. Você não precisa saber quais caminhos indicar, faça o caminho com quem está sofrendo. Mas, caminhar com aquele que sofre a dor da perda exige comprometimento e os enlutados sabem que as pessoas não desejam se comprometer com algo tão difícil, o que causa naqueles que estão em luto, inibição e isolamento. As lágrimas são constantes, abundantes mas quem sofre aprende logo que é preciso chorar sozinho.
É uma realidade complicada e cruel que, na maioria das vezes, leva à falta de esperança, redução de possibilidades... é o caminho que conduz à tristeza e a pontencialização da dor.
Pensando nesta realidade de solidão que a dor do luto causa, qual a missão dos Cemitérios, espaço sagrado onde sepultamos os corpos de nossos falecidos?
Cemitério é o Campo Santo, o espaço onde nos é permitido derramar lágrimas que lavam as feridas causadas pelo luto. Estas feridas, uma vez lavadas, sugerem-nos caminhos para o reencontro com a esperança e a alegria de viver. Também pode e deve ser espaço que visa a sociabilidade entre as pessoas que os visitam.
Acompanhei e testemunhei o nascimento de grandes vínculos de amizade entre famílias que tinham túmulos próximos e que se encontravam em dias semelhantes para visitação destes túmulos.
Um certo dia, ao caminhar pelo cemitério, ouvi uma mãe perguntar à outra mãe que visitava o túmulo do filho: Seu filho faleceu há tanto tempo, o meu filho faleceu há poucos dias, responda-me, por favor, quando va parar de doer deste jeito?
O cemitério pode e deve ser espaço terapêutico para que a dor da perda seja elaborada de forma sadia. É menos difícil compartilhar a dor com quem conhece este caminho. As possibilidades da condução de um processo de luto sadio tornam-se possíveis quando a dor é compartilhada, quando a falta do enlutado encontra eco, lugar, no coração do outro. Quando não é preciso traduzir a extensão da dor, compreende-se que não estamos sozinhos que a morte bate em outras portas, entra em outras famílias, leva outros filhos, pais, irmãos, amigos, pessoas amadas. Existe muita solidariedade entre as pessoas enlutadas, é um sentimento que contém uma legitímidade imensa. Há uma vontade de ajudar o outro porque as pessoas compreendem, a partir da sua dor, a extensão da dor do outro.
Cemitérios são lugares sagrados onde a vida se revela das mais diversas formas, pois estes espaços podem nos conceder a possibilidade de ampliar a consciência a respeito da condução de nossas vidas, de nossas escolhas, permitindo a reflexão sobre a qualidade da construção de nossos vínculos. A morte tem uma fala silenciosa e poderosa. Esta fala não ameaça como nos ensinaram, o silêncio que a morte propõem questiona é por isso que nos incomoda tanto. Nós que buscamos respostas somos silenciados pela perda de alguém que amamos.
Ainda que nos compreendamos como pessoas preparadas para o enfrentamento do luto, da perda de alguém, qinda que tenham nos avisado, ainda que todos os sinais tenham sido emitidos, quando a morte acontece, quando o desenlace ocorre sempre somos impactados pois somos remetidos para o nunca mais. Nunca mais é um lugar longe demais. Por vezes, imputamos aos cemitérios o lugar do nunca mais e voltar ao nunca mais é algo por demais doloroso. Mas não precisa ser assim, cemitérios podem ser espaços de esperança, paz, reencontro com a vida, com a memória dos que amamos. Os cemitérios são guardiões não somente do corpo, guardam a história, a construção de vida das pessoas que amamos. Quando sepultamos alguém, estamos delegando àquele espaço o que temos de mais precioso, o corpo da pessoa que amamos. Ali será o lugar de repouso deste corpo, por isso é tão importante que sepulturas estejam limpas, que o sepultamento seja um ato de dignidade. As pessoas lutam por uma vida digna, esta dignidade não pode desaparecer na morte. Se negarmos aos nossos falecidos esta dignidade necessária, estamos negando a importância que tem e terão em nossas vidas.
Perguntemos à nós mesmos. Quantas vezes, durante o último ano, visitei e cuidei dos túmulos dos meus familiares?